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DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO EM DEBATE
Data de publicação: 22 de dezembro de 2009
A I Conferência Nacional de Comunicação - Confecom, realizada em Brasília de 14 a 17 de dezembro/2009 deliberou na sua plenária final sobre temas polêmicos relacionados à política pública de comunicação.
Com 1.684 delegados representando o poder público, a sociedade civil e o empresariado de todo o país, a conferência inédita foi considerada pelos participantes como um marco histórico, por reunir todos os segmentos envolvidos com a produção e difusão de conteúdos midiáticos no país.
Com o tema central Comunicação: meios para a construção de direitos de cidadania na era digital, a conferência abordou três eixos temáticos: "Produção de conteúdos", "Meios de distribuição" e "Cidadania: direitos e deveres". O objetivo foi debater, desenhar e encontrar estratégias para democratizar a produção, a distribuição e o acesso à informação no Brasil.
A comissão organizadora do evento, criada em abril de 2009, foi responsável pela construção do ambiente político e pela realização das 26 conferências estaduais e da conferência distrital. Ela foi constituída por 20 membros representando o empresariado, o poder público e a sociedade civil dentre eles a Central Única dos Trabalhadores – CUT, Associação Brasileira de Radiodifusores- ABRA, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, Associação Brasileira de Telecomunicações – Telebrasil , Senado e Câmara Federal, cinco Ministérios e a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço).
Das 6.101 propostas originadas das etapas estaduais, foram sistematizadas 1.500 novas propostas, que foram debatidas pelos 15 grupos divididos nos três eixos temáticos.
Foram aprovadas 150 propostas por meio da votação direta dos delegados. Além deles, participaram 130 observadores livres, cidadãos inscritos pela internet e 250 jornalistas credenciados. Dentre as moções aprovadas destacam-se o apoio à criminalização da homofobia e a defesa da descriminalização da prática do aborto.
Origens históricas
Em 1941 o Brasil começou a exercitar a prática de conferências convocadas pelo governo federal para dar espaço aos cidadãos expressarem suas opiniões sobre as diversas políticas públicas, direitos e deveres. Já foram realizadas 104 conferências nacionais sobre os mais diversos temas, envolvendo mais de 4 milhões de brasileiros que debateram propostas para a formulação de políticas públicas em todas as etapas. Estas experiências permitiram o acúmulo de um modelo importante de gestão pública participativa, utilizado para implementar programas sociais e revisar a legislação brasileira.
A oportunidade de uma conferência específica na área de comunicação é vista como um importante passo na construção de um sistema público de comunicação por todos os setores sociais. Sob o titulo genérico "Da Comunicação Social", a Constituição Federal prevê nos artigos 220-224 algumas diretrizes gerais, assimilando grande parte das aspirações democráticas da sociedade civil brasileira que se mobilizou na época para regulamentar a comunicação como um direito humano.
Para o presidente da Federação Brasileira e da Confederação Ibero-Americana de Sociedades Cientificas e associações Acadêmicas de Comunicação- Socicom-Confibercom, José Marques de Melo, nestes 20 anos poucos avanços foram contabilizados. "Se conquistamos garantias constitucionais para comunicar democraticamente, faltam instrumentos legais capazes de implementar os princípios que as fundamentam", afirma ele.
Uma nova lei de imprensa, que contemple o direito de resposta, foi uma das propostas polêmicas aprovadas na I Confecom. "Este é um momento histórico, o Estado brasileiro deve à sociedade uma política pública de comunicação que democratize, que inclua todos os cidadãos, que respeite nossa diversidade e que assegure a liberdade de imprensa", declara a deputada federal e assistente social Luiza Erundina, presente à conferência e uma de suas articuladoras.
A voz dos movimentos sociais
A sociedade civil foi representada na I Confecom por sindicalistas, pessoas com deficiência, mulheres, jovens, indígenas, negros, profissionais da comunicação, associações de consumidores, lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais-LGBT, veículos de comunicação comunitária e religiosos de matriz africana. Em todos os espaços de debate do encontro, foram apresentadas propostas através de manifestos, cartazes, camisetas, faixas e publicações. A articulação política nacional nos grupos temáticos de trabalho e na plenária garantiu a aprovação de muitas proposições que encontraram resistência no segmento empresarial, como a restrição para a publicidade dirigida ao público infantil que viola os Estatuto da Criança e do Adolescente e a proibição de veiculação de conteúdo discriminatório na produção midiática.
Integrando a delegação do Maranhão, Enilson Ribeiro, de 16 anos, fez lobby para aprovar as propostas debatidas nacionalmente pelo movimento em defesa dos direitos da criança e do adolescente com o apoio da Agência Nacional dos Direitos da Infância - Andi. "Defendemos a educação para mídia, a classificação indicativa para os programas televisivos, a proibição da publicidade para menores de 12 anos e a inclusão sócio-digital através das escolas", registra ele.
Em geral as propostas em defesa dos direitos deste segmento diante da mídia foram aprovadas graças à convergência de objetivos de importantes aliados.
Delegada pelo Rio Grande do Sul, Ivarlete França, do Conselho Regional de Psicologia, foi uma das articuladoras desta rede no evento. "Elegemos 28 delegados dos Conselhos Federal e Regional de Psicologia em 17 estados. Temos a Andi, o FNDC e o Instituto Alana de São Paulo como aliados políticos. O Conselho Federal de Psicologia priorizou o tema da comunicação em sua agenda política, realizou muitos debates. As categorias profissionais não debatem este assunto, mas nós reconhecemos que a exploração da imagem das pessoas pela mídia é danosa, viola os direitos humanos. As crianças são as mais vulneráveis", afirma ela.
O CFP divulgou uma ampla campanha nacional publicitária com o slogan "Mídia: vamos desvelar os donos da voz" e marcou presença na I Confecom com stand, camisetas, jornais, faixas e muita negociação política de seus delegados para aprovar moções e propostas. O material divulgado explorou os prejuízos da publicidade para o público infantil como obesidade, erotização precoce, violência e delinqüência, alcoolismo e estresse familiar. O manifesto desta rede está disponível no site www.publicidadeinfantil.org.br
As mulheres também fizeram um debate nacional em torno de suas bandeiras de luta e levaram na bagagem uma plataforma defendida pela União Brasileira de Mulheres e pela rede Mulher e Mídia. O principal foco é o combate à imagem estereotipada e distorcida da mulher na mídia. Muitas destas proposições estão no site www.mulheremidia.org.br . Outras propostas como o direito de antena, a regionalização da produção midiática, o controle social da política e a educação para mídia aproximaram a agenda feminista de outros grupos étnicos e culturais.
As pessoas com deficiência precisaram superar dificuldades para garantir sua participação cidadã. O caderno com as propostas do grupo temático 15 em versão braille só chegou nas mãos de Ednilson Sacramento, da delegação baiana, no segundo dia do evento e ele registrou seu protesto. Daniel Xavier, da Associação de pessoas com deficiência de Santo Agostinho do Cabo, em Pernambuco, avaliou a conferência como um avanço. "Eu descobri que temos de ocupar todos os espaços políticos, acabar com esta história de falarem por nós, escreverem teses sobre nós. A escola continua lá, o professor está despreparado, inseguro. Pressionei o prefeito na rádio sobre a rua e foi resolvido. A estrutura da cidade tem de permitir que eu seja um cidadão", defende ele.
As rádios comunitárias, representadas pela Abraço, conseguiram aprovar o apoio cultural a seus projetos, a publicidade institucional, uma nova regulamentação e a descriminalização de seu trabalho. No auditório principal uma faixa denunciava: "90% das rádios comerciais de SP têm concessões vencidas. Piratas são eles! Rádio comunitária é direito!".
Os radialistas Aldo Dolbert, de Santa Catarina, e Richard Figueredo, da Bahia, concordam que a conferência representou um passo importante para a democratização da política e a regulação do funcionamento dos veículos para combater os monopólios e garantir a regionalização da programação. "Foi um primeiro passo, aprovamos as propostas essenciais, como proibir concessões de rádio e TV para políticos e seus parentes. Os grandes grupos como a rede Globo sabotaram a conferência, foram covardes, mas ganhamos muito com o debate político, avalia Figueredo.
Uma das deliberações da conferência mais comemoradas pela sociedade civil foi a criação do Conselho de Comunicação em todas as esferas e do Fundo para prover recursos para as ações no setor.
A ampliação da banda larga, a implantação de um Observatório sobre Mídia e Direitos Humanos e a utilização dos recursos do Fundo de universalização de serviços de telecomunicações – Fust, para melhorar e ampliar a oferta de serviços, também foram decisões da plenária festejadas pelos delegados do movimento social.
Desafios para o Serviço Social
As conquistas do movimento social na I Confecom trazem para o Serviço Social brasileiro muitos desafios. As demandas sociais expressas no encontro são parte do universo da atuação do Serviço Social e integram a agenda política das entidades representativas da categoria.
O projeto político da profissão já prevê princípios éticos que incluem a democratização do acesso à informação, a participação da população usuária dos serviços institucionais e o fortalecimento da democracia e da luta pela garantia dos direitos.
O conjunto dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social já discutiu e sistematizou sua política de comunicação, reconhecendo a importância estratégica da comunicação para dar visibilidade à luta política.
Dirigentes do conjunto CFESS-CRESS e assistentes sociais preocupados com o tema já traçaram as diretrizes, objetivos e estratégias para uma política de comunicação capaz de dar visibilidade ao projeto ético-politico profissional e estabelecer alianças políticas com o movimento social em defesa de um sistema público de comunicação. Estas contribuições foram reunidas na publicação "Política de Comunicação", do CFESS, em 2007.
Um grupo de assistentes sociais sensíveis ao tema lançou este ano pela Editora Cortez a coletânea de artigos "Mídia, Questão Social e Serviço Social", organizada por Mione Sales e Jéfferson Ruiz.
Agora, provocada pelo resultado da I Confecom, a categoria está desafiada a dar continuidade ao debate interno nos seus fóruns de discussão e se incorporar às redes de entidades e grupos do país que lutam pela comunicação a serviço da luta contra todas as formas de exploração e de opressão vigentes na sociedade capitalista.
O CFESS esteve presente nesta Conferência na condição de observador, acompanhando as principais deliberações, articulando com movimentos sociais e, principalmente, acumulando a discussão para o debate a ser desencadeado no Conjunto CFESS/CRESS quando da realização do II Encontro Nacional de Comunicação, em setembro de 2010. Fique ligado!
Foto: Claudia Correia
As propostas polêmicas foram votadas por meio eletrônico e com crachás de delegados
Foto: Claudia Correia
A Pataxó de Porto Seguro e as mulheres marcaram presença
Foto: Claudia Correia
Apesar das dificuldades, pessoas com deficiência garantiram o direito à participação
Foto: Claudia Correia
As rádios comunitárias mobilizaram aliados na plenária final
Claudia Correia - Jornalista e Assistente Social
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS
Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta - 2008-2011