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COMEÇARÍAMOS TUDO OUTRA VEZ, SE PRECISO FOSSE


Data de publicação: 23 de novembro de 2009


Histórias, emoções, manifestações, reafirmação do projeto ético-político do Serviço Social e fortalecimento das lutas sociais: houve espaço para tudo isso e muito mais no Seminário de Comemoração dos 30 Anos do Congresso da Virada, realizado no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, nos dias 16 e 17 de novembro de 2009, pelo CFESS, CRESS-SP, ABEPSS e ENESSO.

O cenário é exatamente o mesmo em que aconteceu aquele histórico III CBAS, há 30 anos: um Anhembi lotado e fervoroso. Até mesmo o céu de São Paulo, usualmente cinza, se abriu com o calor daquele auditório, que pela segunda vez, foi ocupado por assistentes sociais e estudantes de Serviço Social de todo o país. "Há três décadas, neste mesmo espaço, o Serviço Social brasileiro se somava às lutas dos movimentos sociais, combativos e aguerridos, que construíram e constroem cotidianamente a história de resistências às mais violentas formas de exploração e opressão do nosso país", ressaltou a presidente do CFESS, Ivanete Boschetti,  durante a abertura do evento.

E estes movimentos sociais, que historicamente lutaram e ainda lutam pela classe trabalhadora, estiveram presentes no Seminário, demonstrando e reforçando o papel fundamental de sua articulação com o Serviço Social. "A sociedade do capital revela que já não consegue mais se sustentar ecológica-econômica e socialmente. Por isso, assistentes sociais e companheiros(as) de luta, é tempo de dizermos em alto e bom som: é possível mudar, é possível vencer. É necessário lutar, é possível vencer", exclamou o representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Gilmar Mauro.

Além do MST, participaram do Seminário de Comemoração do Congresso da Virada representantes da Marcha de Mulheres, do grupo Tortura Nunca Mais, Conlutas, Intersindical, Andes e Central de Movimentos Populares. "Estamos aqui para superar este Capitalismo patriarcal, machista, sexista, homofóbico e racista. Este Capitalismo que sequer permite que nós mulheres possamos decidir a roupa que queiramos vestir", criticou Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres.

Victória Lavínia Grabois Olímpio, representante do Grupo Tortura Nunca Mais, relembrou a luta daqueles(as) que hoje são considerados desaparecidos políticos da Ditadura Militar. "Até hoje o governo do nosso país não diz onde estão estas pessoas, não falam das circunstâncias de suas mortes e ao menos dão a sua localização. E é impossível viver uma democracia plena se esta história não for contada, se os arquivos da Ditadura não forem abertos", afirmou.    

Em tempos de predomínio do desemprego e do subemprego, da regressão dos direitos, da fragmentação das políticas sociais, ocasionados pelo projeto de acumulação do capital, o Seminário ganhou uma direção maior do que a revisitação ao passado do Brasil e da profissão. "Temos aqui a oportunidade de fazer não só um balanço analítico do Serviço Social, mas de pensar no presente e no futuro do nosso projeto ético-político profissional. Ganhamos fôlego, força e "munição" para seguirmos adiante, seja na batalha das ideias, seja na batalha das ruas, ao lado daqueles que persistem nas lutas sociais em defesa de uma sociedade sem exploração e sem opressão", destacou Elaine Behring, presidente da ABEPSS.

E se 1979 foi o marco histórico para a profissão, que para seu entendimento se inseriu na relação entre capital e trabalho, e entre Estado e sociedade, 2009 é o momento de reafirmar os compromissos e as lutas de assistentes sociais de todo o país, fundadas em seu projeto ético-político profissional, em permanente construção ao longo desses 30 anos. "É preciso reafirmar nossa condição de classe trabalhadora e enfrentar a luta de classes, que continua mais atual do que nunca", reforçou Aurea Fuziwara, presidente do CRESS-SP.

Sem dúvida, nada foi em vão!

Horas antes da mesa "A Chama em meu peito ainda queima, saiba! Nada foi em vão", que reuniu assistentes sociais que, de alguma maneira, estiveram ligados(as) à organização e à Virada do Congresso, em 1979, o clima do reencontro foi de muita alegria e emoção. "As pessoas que convidamos aqui são uma pequena expressão de todo um coletivo que se organizou e fez história na profissão", disse Ivanete Boschetti na fala que antecedeu a mesa.

Subiram ao palco do Anhembi Aldaíza Sposati, Mariângela Belfiore, Luiza Erundina, Vicente Faleiros, Maria Inês Bravo, Leila Lima Santos, Maria Beatriz Abramides, Rosalina Santa Cruz, Josefa Lopes, Regina Marconi, Márcia Pinheiro, Célia Vilarinho e Socorro Cabral. Visivelmente emocionadas(os), relataram diversos fatos que aconteceram na época: o contexto político social de 1979, a organização e a mobilização da categoria antes do III CBAS e os detalhes da grande Virada, que desmanchou a mesa oficial com representantes do governo militar e a substituiu pela mesa com representantes da classe trabalhadora.

"O que aconteceu há 30 anos não foi mérito de um só representante ou entidade. Foi fruto de uma ação política de entidades de representação dos(as) trabalhadores(as) do Serviço Social", ressaltou a assistente social Luiza Erundina, que em 1979 era docente e assistente social da prefeitura de São Paulo, lutou para reativar a Associação Profissional de Assistentes Sociais, integrou o comando geral da greve dos funcionários municipais e foi uma das protagonistas da virada que ocorreu no III CBAS.

Erundina destacou a importância do coletivo para que a Virada fosse possível, e homenageou companheiras que "fizeram o movimento" acontecer, mas que já faleceram. Ela também lembrou do clima do plenário de 1979: "havia uma efervescência, uma ebulição, que nos deu força, energia e coragem para enfrentar a Ditadura que ameaçava intervir no Congresso, nos prender e acabar com o CBAS. E não foi fácil conduzir aquele processo. E quero sentir esta efervescência aqui!". E sentiu, porque o publico ovacionou-a calorosamente durante toda sua fala. Para finalizar, Erundina destacou: "Precisamos refazer os caminhos da profissão nesses 30 anos. Não basta ter um currículo acadêmico moderno, avançado, atualizado, se isso não tiver rebatimento na nossa prática profissional. E analisando avanços e retrocessos nessas três décadas, não podemos perder de vista os sonhos e utopias que nos motivaram e motivam para as nossas lutas".

Os muitos depoimentos que se seguiram foram ficando cada vez mais emocionantes, arrancando aplausos de um Anhembi em festa.

30 anos do projeto ético-político

A última mesa do primeiro dia do Seminário debateu o projeto ético-político do Serviço Social de 1979 a 2009. Jose Paulo Netto e Marilda Iamamoto traçaram um histórico do projeto, que desde a década de 70 e, sobretudo na de 80, incorporou a teoria crítica de Marx.

No entanto, Netto afirmou que para entender o Congresso da Virada obrigatoriamente é necessário entender o contexto sócio-político em que predominava a Ditadura Militar brasileira. Ele fez uma análise de todo o período do regime autoritário brasileiro e, paralelamente, das lutas dos trabalhadores.

Sobre o Congresso da Virada, Netto reafirmou sua importância e legado histórico. "A profissão sempre esteve no cenário político. Sua história, desde 1936, explicita sua dimensão política e partidária", afirmou.

Também ressaltou que "a categoria foi uma das últimas a bater de frente com a ditadura. Em 1978, ano em que a crise do regime militar estava aberta, não há sequer menção da ditadura nos eventos das entidades da categoria", criticou. Para ele, o principal fator desta demora foi à dificuldade do Serviço Social em enfrentar não o regime ditatorial, "mas o próprio conservadorismo da profissão". Netto fez questão de ressaltar ao final de sua palestra seu respeito àquele histórico CBAS, destacando a ousadia da categoria em enfrentar seu próprio conservadorismo e se inserir na luta de classes, ao lado dos trabalhadores dos movimentos sociais.

Já Marilda Iamamoto fez uma análise da profissão no Brasil e na América Latina. Além disso, destacou a importância do projeto ético-político como referência para as entidades de representação da categoria. "É inédita a nossa construção de entidades políticas em tempos de indiferença, de dramas coletivos", disse. Ela traçou um histórico de eventos em mais de quatro décadas apontando a evolução desse projeto. "Construímos um projeto que se expressou na regulamentação da profissão, no Código de Ética nas diretrizes curriculares. Ou seja: que assume valores", afirmou Iamamoto.

Ela também fez questão de ressaltar que o projeto ético-político é tensionado a partir do momento quem que o(a) assistente social se reconhece como trabalhador(a) assalariado(a) e está inserido na lua de classes.

Ao final, fez um balanço desse projeto: "avançamos no nosso reconhecimento como trabalhadores(as) assalariados(as) e na atitude crítica por melhores de condição de trabalho e  de qualidade do exercício profissional".

Desafios do projeto ético-político

No segundo dia de evento, na parte da manhã, Maria Carmelita Yazbek, Lucia Barroco, Sara Granemann e Ana Elisabete Mota ficaram com a responsabilidade de segurar o debate sobre os desafios para o projeto ético-político profissional do Serviço Social.

Yazbek afirmou que nesses tempos de globalização, que acontece sem qualquer ética ou controle e que solapa as bases da vida social da sociedade, o Serviço Social enfrenta uma enorme pressão conservadora, que busca esvaziar o discurso político da profissão e sua potência crítica. "Na virada dos anos 90, instaurou-se no mundo capitalista uma sociabilidade cuja matriz central era tanto o discurso liberal da iniciativa dos indivíduos quanto a desregulamentação e o desmanche que davam bases materiais a esses novos tempos. O estado tornou-se um refém do poder econômico das multinacionais produtivas e financeiras", contextualizou Yasbek.

Ela afirmou também que o exercício do poder político dos(as) assistentes sociais nos espaços de interlocução e deliberação pública exige da categoria uma contribuição ativa e qualificada. E o desafio consiste exatamente em politizar e qualificar esta participação em todos os espaços e fóruns.

Já Lúcia Barroco fez uma análise dos desafios do projeto ético-político sob a perspectiva da ética. Barroco também abordou a questão da atualização do conservadorismo, ou neoconservadorismo, que, segundo ela, "é favorecida pela precarização das condições de trabalho, da formação profissional, pela falta de preparo técnico e teórico e fragilização de uma consciência crítica e política, e que podem resultar na busca de respostas pragmáticas, na incorporação de técnicas aparamente úteis em um contexto fragmentado e imediatista". 

Sara Granemann analisou a dimensão das relações do Serviço Social com os movimentos sociais e a necessidade de se avançar nessa articulação. Fez também um balanço das lutas de classe no Brasil. "Nesse âmbito, precisamos continuar com as lutas emancipatórias do presente", ressaltou.

Para fechar os debates pela manhã, Ana Elisabete Mota falou sobre o tensionamento sofrido pelo projeto ético-político em seus 30 anos e na conjuntura atual. Ela reforçou que o projeto do Serviço Social não está em crise, mas que é perceptível o conservadorismo profissional que se coloca "por meio da cobrança da operacionalidade, da eficácia, etc".

Mota destacou também que novas determinações da profissão surgem a todo o momento, e que a categoria precisa entendê-las.

Na parte da tarde, CFESS, CRESS-SP, ABEPSS e ENESSO subiram ao palco para fazer o encerramento, com apontamento da agenda das entidades da categoria na conjuntura atual. Ficou o sentimento geral de que o Seminário de Comemoração dos 30 anos do Congresso da Virada, mais do que um belíssimo resgate histórico da profissão, foi um momento para a categoria reafirmar seu compromisso na luta contra a desigualdade e finalizar cantando emocionados a música "Apesar de você" do Chico Buarque, brandando pirulitos com palavras de ordem.

CFESS Manifesta e livro 30 Anos do Congresso da Virada

Durante o Seminário, O CFESS lançou duas importantes publicações sobre o Congresso da Virada.

Um deles foi o CFESS Manifesta, abordando o projeto ético-político do Serviço Social e seu significado nesses 30 anos. "O projeto ético-político que se forjou nas últimas três décadas é fundado na luta política por liberdade, trabalho e direitos. É na trincheira da resistência e do enfrentamento que as entidades nacionais da categoria e assistentes sociais em diferentes recantos do país assumiram explicitamente seu compromisso com os interesses do trabalho", destaca o documento.

O CFESS Manifesta também demonstra a preocupação da categoria com a disputa do projeto ético-político com outros projetos profissionais pela direção social da profissão neste momento histórico. "Neoconservadorismo, pragmatismo e formas despolitizados de entender a questão social reaparecem no cenário profissional. Tempos sombrios".

Leia aqui o CFESS Manifesta divulgado no Seminário

Durante o evento, foi lançado também o livro 30 Anos do congresso da Virada, organizado pelo CFESS e co-organizado pela ABPESS, ENESSO e CRESS-SP. A obra reúne artigos, entrevistas e manifestos acerca do evento que se tornou o grande marco histórico do Serviço Social. A primeira parte do livro traz artigos de José Paulo Netto, que aponta referências para a contextualização do III CBAS; de Vicente Faleiros, que traça a conjuntura dos anos 70; e de Maria Beatriz Abramides e Socorro Cabral, que falam da organização política do Serviço Social e o papel da Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS) e da Associação Nacional de Assistentes Sociais (ANAS) na "virada" do Serviço Social brasileiro.

O livro traz também entrevistas com Aldaíza Sposati, Maria Lúcia Martinelli, Luiza Erundina, Regina Marconi Franco, Márcia Pinheiro, Célia Vilainho Peres, assistentes sociais que estiveram envolvidas, de alguma maneira, com o histórico CBAS de 1979.

Ao final, apresenta o manifesto do CFESS (elaborado por Ivanete Boschetti) sobre o sentido e os desafios do projeto ético-político da profissão 30 anos depois do Congresso, e o manifesto da ABEPSS (escrito por Elaine Behring e Sâmya Rodrigues Ramos), abordando o protagonismo da instituição nesses 30 anos de luta.

Como anexo, o livro traz o programa oficial do III CBAS e as moções aprovadas na ocasião.

Em entrevista durante o Seminário de Comemoração, Márcia Pinheiro, assistente social que na época do Congresso da Virada vivenciou o Método-BH, foi militante da Associação Profissional de Assistentes Sociais de Minas Gerais e participou do III Encontro das Entidades Sindicais que antecedeu o CBAS de 1979, disse que até então sentia falta de mais referências bibliográficas sobre tudo que aconteceu na época. "Nós que estivemos presentes naquele momento histórico deveríamos ter escrito e documentado mais sobre o III CBAS".

A publicação do CFESS vem tentar suprir esta lacuna e contar aos(as) estudantes de Serviço Social e assistentes sociais de todo país um pouco da história e do significado do Congresso da Virada para a profissão.

Além do livro, o CFESS lançou também a Revista Inscrita n. 12, com a temática sobre os desafios contemporâneos postos à profissão, 30 anos depois do ousado e corajoso movimento que rompeu com o conservadorismo em suas diferentes vertentes, e estabeleceu um novo marco sócio-histórico e político organizativo para a profissão.  A Revista conta com artigos de Yolanda Guerra, Joaquina Barata, Lucia Barroco, Sâmya Rodrigues, Ana Elizabete Mota e Ângela Amaral, Edmundo Dias e Ivo Tonet, além de manifesto das entidades nacionais – CFESS, ABEPSS e ENESSO. A revista pode ser adquirida nos CRESS e no CFESS.

Algumas impressões sobre o evento

"O Seminário foi uma tática brilhante de mobilização da categoria, de manifestação política e de reafirmação de princípios". Ana Elisabete Mota

"Foi importante estar neste evento porque eu tive exatamente a medida do que foi o Congresso da Virada em 1979, para além daquilo que até então eu já tinha lido. Saio daqui com o seu significado e a reafirmação das responsabilidades que tenho como assistente social e presidente de uma entidade de representação da categoria". Fátima Grave, presidente CRESS-RJ.

"As mesas foram muito ricas, provocativas, e possibilitou o reencontro de colegas que há muito tempo estão na militância do Serviço Social".  Maria Cristina de Queiroz Nobre, CRESS-CE
 "As pessoas não devem ver este Seminário como um "evento que vira vento". Mas que ele seja mais um instrumento de organização e luta dos assistentes sociais como trabalhadores por uma sociedade emancipada e igualitária". Maria Beatriz Abramides

"O Seminário foi muito importante para contar e comemorar a história do Congresso da Virada. Estamos resgatando aqui uma importante lacuna da nossa profissão". Márcia Pinheiro












Rafael Werkema - Jornalista
Comissão de Comunicação
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS
Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta - 2008-2011




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